Wednesday, April 26, 2006

A Clave de Deus


Há ali qualquer coisa no ar que nos chama para casa.
Sente-se isso no preciso instante em que nos damos conta de que nos estamos a aproximar.
Primeiro o vale. Verde. Confiante, vaidoso, até. Aberto. Quase que se lhe adivinham dois braços em posição de acolhimento.. Isso..um vale com (a)braços..
Depois o silêncio do sossego. O barulho mudo do ar a acompanhar os passos…O silêncio a aumentar à medida que nos aproximamos. As placas a indicarem que o caminho é mesmo em frente. Taizé. Quase nem eram precisas!.. Fareja-se, fechando os olhos e abrindo o coração. Descobria-se assim muito bem o caminho! Como se sempre o soubéssemos, como se já lá tivéssemos estado. Como se fosse um regressar a casa. Um regressar a casa…
Há ali qualquer coisa no ar que nos chama para casa.
Depois o topo da colina. Encontra-se muitas pessoas. Estão todas para entrar.
Percebe-se que estão muito sintonizadas. Não nos fixamos tanto nas suas caras como nos seus corações. Noto que os corações é que caminham. Em linha, como notas musicais na pauta. Os corações lá sabem! Sabem muito bem que vão ali dentro cantar. Cantar ou rezar. Que rezar é cantar para os ouvidos de Deus.
De súbito..um som ecoa. O silêncio esconde-se agora atrás dos sinos a chamar. Entra-se.
O que se sentia do lado de fora, continua a sentir-se lá dentro. A partilha estampada nas intenções. O despojamento, a quietude, mesmo entre milhares. Não são particularmente as pessoas que se encontram. São os olhos, os motivos, os tons, as almas, os respeitos, os sorrisos. Os visíveis e os invisíveis, leia-se!
Focamos entretanto a cor avermelhada do templo, a timidez das velas, a simplicidade do momento. Há sempre alguém que se ajeita um pouquinho para nos dar algum chão onde sentar. A entrega plena dos irmãos, lá ao fundo, vestidos de branco, pode fazer-nos estremecer. A oração também! Os cânticos pegam-nos pela mão e unem-nos num bailado impar. Não somos portugueses, nem franceses, nem italianos, nem russos, nem africanos, nem…
Somos notas musicais em pauta, unidos pela mesma clave de sol. De Luz! De Amor. De Deus. Isso.. uma clave de Deus..pudera eu atribuir-lhe esse nome..

O sentimento foi muito especial. Era Sexta-feira Santa. Eu tinha o coração sintonizado.
Que mais te posso falar, AVC ?
Que estava uma noite serena no vale. E no coração. Que essa Paz se sente ainda agora.
Que é aquela Paz que se sente quando sabemos que estamos a chegar a casa.
E que há ali qualquer coisa no ar que nos chama para casa.

14 comments:

deep said...

"Deep" a valer é este teu texto que transmite uma serenidade imensa, que me faz desejar estar num lugar assim, e alcançar um estado de plenitude, em sintonia com o universo e em paz comigo... sobretudo comigo. Boa noite, Xana. Obrigada pelas tuas palavras e pelo coração grande que nelas se intui.

Leonor said...

Soubésse eu ler as notas da pauta...
Tivésse eu uma chave assim...
lindo. Beijinhos

xana said...

Bom dia, querida Deep!

Transmite ou atiça a serenidade que há dentro de ti própria? Ela está contigo, Deep, parece-me! Nem sempre é fácil, mas merece bem a pena ir tentando sintonizar o coração na estação da Paz. Não te preocupes, que ele encontra-a!Ele foi programado para isso, para essa onda de frequência! Há é às vezes um pouco de ruído que importa ultrapassar!
Que me dizes?



Bom dia, querida Leonor!
Ah...mas que bom voltar a "ver-te"
aqui!
Pois olha bem que eu sei que o modo como tu cantas as tuas notas da pauta..fazem daquilo que nos dizes uma melodia tão graciosa e serena que só visto!
E eu sei porque já vi. E já li.
Li num livro e num teu sorriso!..

Anonymous said...

Para sentir e tocar essa melodia "sinfónica" basta aprender a música de deus, a música que é Deus, e as notas saem, harmoniosas, comunicativas, universais.
Bonito

Araj said...

Em tempos sentia essa paz e conseguia alcança-la com grande facilidade… hoje, com a desculpa do tempo, não há tempo para parar e alcançar essa plenitude… (Que saudades dos retiros espirituais)

caminante said...

Cierto. Taizé es lugar de paz, de sosiego, de encuentro. Dios está tan cerca que se mete dentro de cada uno. Se reza bien. Impresionante el sonar de las campanas rompiendo el silencio de la mañana.
Y la pequeñita Iglesia -la del pueblo, la que no sé si muchos visitan-, con su sencillez, donde Jesús está en el pequeño Sagrario... Se reza bien en Taizé.
Son los silencios de Dios, tremendamente elocuentes.
Un fortísimo abrazo

CristalizArte said...

Que bom, toda esta partilha, amiga Xana... obrigado, do coração te agradeço! Tens o dom de transmitir um cheirinho de Taizé, que por momentos quase para lá nos transporta... que bonito! Que vontade de ir lá "roubar" um pouquinho daquela Paz toda!Agradeço-te, só! Entretanto vou relendo o que escreveste, sei que ainda vou continuar a aprender deste texto tão rico, tão cheio de Luz! Obrigado, amiga Xana! Beijinho,

AVC

José Brito,sj said...

xana,
estiveste em taizé na Páscoa?
curioso... também eu.
os últimos dias passei-os em silêncio: foi mesmo bom e importante!
às tantas até chegamos a almoçar juntos ;)

xana said...

cvj...

bonita ideia essa, a de aprender a música de Deus...

caminante,
sim, reza-se bem em Taizé! Essa igrja,aqueles sinos, aquele silêmcio..
Aquele vale...ai aquele vale...
Um grande abraço para ti!

pensar Cristo,
obrigada, eu, digo-te a ti!
podes sempre desafiar-me!


Zé Maria sj,
ás tantas.. quem sabe... até falámos...
Olha que...
quem sabe??

Um abraço por Taizé!
E pela Páscoa!

P.e Júlio da Costa Gomes said...

Só por este texto cosegui imaginar o mais belo local do mundo onde reina o silêncio. Senti-me em Paz. Agradeço esta descrição que me fez sonhar. Agora fecho os olhos e tudo o que li deste texto se me apresenta numa beleza de imagens com um som de fundo. o Silêncio. Tenho amigos que vão a Taize muitas vezes. Nunca tinha entendido, ou melhor, me questionado pelo facto de irem lá tantas vezes. Também quero essa paz. Esse silêncio que fala mais do mundo que mil vozes. Espero me estriar brevemente em Taize.

P.e Júlio da Costa Gomes said...

Só por este texto cosegui imaginar o mais belo local do mundo onde reina o silêncio. Senti-me em Paz. Agradeço esta descrição que me fez sonhar. Agora fecho os olhos e tudo o que li deste texto se me apresenta numa beleza de imagens com um som de fundo. o Silêncio. Tenho amigos que vão a Taize muitas vezes. Nunca tinha entendido, ou melhor, me questionado pelo facto de irem lá tantas vezes. Também quero essa paz. Esse silêncio que fala mais do mundo que mil vozes. Espero me estriar brevemente em Taize.

xana said...

Estrela polar,

fecho os olhos contigo..que também já me apetecia lá estar outra vez!

Oxalá esse brevemente chegue breve para ti! Força!

Anonymous said...

Minha Querida: Que título maravilhoso "Clave de Deus"! Que texto tão diferente, tão poético, tão vigoroso e preciso nos contornos que nos deixa. É, desde logo uma peça literária digna de ser lida e meditada. Talvez que Deus lhe tenha pegado na mão e servindo-se de si, nos tenha contado a grandeza dos silêncios e o poder da oração. Há, no seu texto o ritmo e a cor e o poder da descrição como se duma tela se tratasse e aí fosse pintando,servindo-nos um quadro de ternura e de fé que me enterneceu.
Um beijinho para si.

xana said...

ena, Alice, quanta simpatia!..
Foi o momento..foi aquele momento! Aquele lugar, naquele dia. Foi o coração em sintonia!

Obrigada. A sério que é mesmo um lugar a visitar. Para ficar e demorar. Ai, Taizé.....